A Massa – Armando Nogueira
Armando Nogueira, jornalista e escritor faleceu aos 86 anos, no Rio de Janeiro, vítima de
câncer. Armando Nogueira é ícone e enciclopédia do futebol brasileiro.
A ele, autor da
crônica “A Massa”, os cumprimentos da nação atleticana. Abaixo a crônica?
Torcidas, haverá as mais numerosas (Flamengo) ou mais conhecidas por sua
grandeza (Corinthians), mas nenhum séqüito futebolístico brasileiro se compara
a massa do Clube Atlético Mineiro em mística apaixonada, em anedotário heróico,
em poesia acumulada ao longo dos anos. “A Massa”, como é simplesmente conhecida
em Minas Gerais, compartilha com a torcida corintiana (”A Fiel”) a honra de
deixar-se conhecer com um substantivo ou adjetivo comum transformado em nome
próprio, inconfundível. A Fiel, A Massa: poucas outras torcidas terão realizado
tal operação de mutação de um nome comum em nome próprio. No caso do
atleticano, a alma do time não é senão a alma da torcida.
Toda a mística da
camisa, das vitórias sobre times tecnicamente superiores (e também das derrotas
trágicas e traumáticas), emana da épica, das legendárias histórias que nutre
sua apaixonada torcida: nem o Urubu, nem o Porco, nem o Peixe, nem a Raposa,
nem o Leão, nem nenhum animal mascote se confunde com o nome do time, com sua
identidade, com sua alma mesma, como o Galo com o Atlético Mineiro. Nenhum
outro time é conhecido por tantas vitórias improváveis só conquistadas porque a
massa empurrou. ”Quem possui uma torcida como esta, é praticamente impossível
de se derrotado em casa” (Telê Santana). Pelos ídolos de 69 ou 70, o timaço do
Cruzeiro já tetra ou pentacampeão entrava em campo mais uma vez e parecia que
de novo ia humilhar o Atlético. Mesmo naquele clássico durante vacas tão
magras, a massa atleticana era, como sempre foi, maioria no Mineirão.
Impotente, ela viu
Dirceu Lopes abrir o placar e o time do Cruzeiro massacrar o Galo durante 45
minutos. No intervalo, a massa que cantava o hino do Atlético foi inflamada por
um recado de Dadá Maravilha pelo rádio: “Carro não anda sem combustível.” A
fanática multidão encheu-se de brios, fez barulho como nunca, entoou o grito de
guerra, encurralou sonoramente a torcida cruzeirense, e o time do Atlético –
infinitamente inferior, liderado pelo artilheiro Dario e pelo seu grande
goleiro (como é da tradição atleticana) Mazurkiewcz – virou o placar para 2 x 1
sobre o escrete azul, e abriu caminho para a reconquista da hegemonia em Minas,
selada com o título estadual de 70 e o Brasileiro de 71. Nenhum dos jogadores atleticanos
presentes nessa vitória jamais se esqueceu da energia que emanava das
arquibancadas, e que literalmente ganhou o jogo.
Se houver uma
camisa alvinegra pendurada no varal num dia de tempestade, o atleticano torce
contra o vento.” O achado do cronista Roberto Drummond resume a mitologia do
Galo : contra fenômenos naturais, contra todas as possibilidades, contra forças
maiores, a torcida atleticana passa por radical metamorfose e se supera.
Superou-se tantas vezes que já não duvida de nada, e cada superação reforça
ainda mais a mística, como uma bola de neve da paixão futebolística. Nenhum
atleticano hesitaria em apostar na capacidade da Massa de transformar o
impossível em possível a qualquer momento, de fazer parar aquela tempestade que
açoita o pavilhão alvinegro deixado solitário no varal.
Não surpreende,
então, o sucesso que tiveram os jogadores uruguaios que atuaram no Atlético
Mineiro, do grande Mazurkiewcz ao maior lateral-esquerdo da história do clube,
Cincunegui. Se há uma mística de garra e amor à camisa que se compara à
atleticana, é a da celeste, não mineira, mas uruguaia. Só à seleção uruguaia a
pura paixão por um nome e um símbolo levou a tantas vitórias inacreditáveis,
improváveis, espíritas, ou puramente heróicas.
Ao contrário das
torcidas conhecidas por sua origem étnica (Palmeiras Cruzeiro, Vasco), por sua
origem social (Flamengo, Fluminense, Grêmio, São Paulo), ou por seu crescimento
a partir de uma grande fase do time (Santos, Cruzeiro), qualquer menção da
torcida do Atlético Mineiro evoca, invariavelmente, a substância mesma que
constitui o torcer. O amor ao time na vitória e na derrota, o apoio
incondicional, a garra, a crença de que sempre é possível virar um resultado.
* Armando Nogueira
é jornalista. Ele foi pioneiro na televisão brasileira, ao trabalhar, a partir
de 1959, na primeira produtora independente do país, dirigida por Fernando
Barbosa Lima, onde escrevia textos para os locutores Cid Moreira e Heron
Domingues lerem na antiga TV-Rio. Convidado por Walter Clark, foi para a Rede
Globo em 1966.
Nos 25 anos que
passou na Globo foi responsável ainda pela implantação do jornalismo em rede
nacional e pela criação dos noticiosos Jornal Nacional e Globo Repórter.
A partir de 1954, esteve presente na cobertura todas as Copas do Mundo e, desde 1980, de todos os Jogos Olímpicos.
No futebol, é torcedor apaixonado do Botafogo.
A partir de 1954, esteve presente na cobertura todas as Copas do Mundo e, desde 1980, de todos os Jogos Olímpicos.
No futebol, é torcedor apaixonado do Botafogo.
Armando Nogueira dedica-se, há alguns, ao
jornalismo esportivo e participava de um programa pelo canal fechado SPORTV, e
também escrevia uma coluna que era reproduzida em 62 jornais brasileiros. Há
dois anos está afastado de suas atividades profissionais na luta contra um
câncer, recuperando-se em sua casa, no Rio de Janeiro.
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